1
Sou
o homem velho que se arrasta na praia entrevado de memórias. Sei que minha vida
acende um sol dentro do peito enquanto me canso. Sou a terceira pessoa que não
cabe no real. A força desses dias veio da fantasia, e agora vence meu exercício
matinal, atravesso até o píer a avenida ereta e meus fones de ouvido cantam
segredos com os quais a musa me pede para chorar. Meu corpo magro cheio de
ossos é o torpor que pode voar se a secreta orquestração aos poucos narra, com
a canção dos amantes que já intuem o próximo tato, a passagem à todas as cenas,..
aos sussurros da água, à dor do tempo, à encochada da preamar na carne da
praia. Ao evento único das palavras nas cartas ao mar...
2
Sou
um homem com horror à medicina. E diante do poder das respostas, dos
diagnósticos, das probabilidades pelas quais invento uma engenharia para as
tardes parciais, coloridas com as derivadas banais que abordam e modificam a
vida, desviam funções escalares para colorários vetoriais perfilando..., | sem medo, feliz...
3
Meu
mundo é uma canção, um sonho em noite sem lua. Uma paixão que começa no poente.
Esse poente everywhen que Camburi aos poucos vestiu para me despir
inultilmente. As palavras que rasgam por dentro agora dão corpo ao movente
desejo que as trouxe de dentro de mim; ressurjo ponto e vírgula na praia igual
andarilho sem identidade, conquanto tão próprio meu nome evoe no fim do mar
sendo literatura: a areia. meu eu lírico andante mais rápido que eu é um outro,
mas sei que minha angústia moderna é careta, mais Baudelaire que Rimbaud. A
pegada. Sei que estou velho. Sei que é o tempo que nos separa. Sei que esse
tempo nos une. Sei que minha velhice nos atrai. Foi assim que em meu caderno
escrevi teu carinho e tuas palavras onde eu estivesse perdido, tanto as roubei
para mim. O narrador, acostumado à distâncias homéricas não pôde me alijar o
desejo de lhe aceitar o alento com que me davas o ouvido dos leitores, e hoje
não tem qualquer poder sobre nosso romance. Eu, mesmo personagem sou em mim
esse homem que me narrava, e também a ti, até que um dia de sua escrita
simplesmente partimos. Sei que és e eras e talvez sempre sejas velado semblante..
e tanto quanto eu, ateie fogo num corpo de letras na gananciosa esperança de
que esse supernarrador nos esqueça por algumas horas, quanto daremos corpo às
nossas cartas, por ele mesmo embaralhadas com gosto. Com força. É isso mesmo,
esse tempo em que faremos o amor sem vírgula. Indefesos do ponto final.
4
E
o mundo não seja o desencontro das palavras.