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(apontamentos na praia)
Atravesso a praia num corte rápido. Tem vezes a beleza é
tanta não suporto só olhar, estaciono perto terceiro pier. Desço da moto ganho
areia, sonho o celular contra o firmamento se te roubo da imensidade os rosas
que eu aço molhar com o movimento e mancham as fotografias; as palavras
cortadas que não se completam com minha chegada; as forças nodais que se
esperam e refletem no fim da rotação da terra. Estudo em segredo mapas de eras
distantes com seus logradouros que memorizei sem perceber. Respiro e sumo se me
somo só se hovesse ar puro. E é nesse fulgor que estendo celular voz alta: da
vespertina praia lanço à cidade ligação à sudoeste como quem tem nem radar para
sinal vindo de uma das torres dos altos dos montes; giro o corpo enquanto
mentalmente faço a releitura do imenso catálogo pelo qual resgatei n
alternativas sem descurar dos números irreais, reais e imaginários perfilando
os reversos alfanuméricos à noite última aluados. Estes aos poucos se amalgamam
às probabilidades matemágicas de falar-lhe pequenas banalidades, vícios,
títulos de livros, canções, marcas de motocicletas e outras perversidades. E
assim que lhe erro, D. Cecília, moradora da Serra há 55 anos, me atende
atarefada; Com quem? Ahn? ..ão meu filho, não tem nenhuma ão..; Mas a senhora
tem certeza? ..ão meu filho, aqui do lado é a casa do Seu Norberto, o da venda.
Também já falei com Renato, motorista marrento táxi ponto à Praça Oito
conhecido do Antenor, lá do Fabiola, o que me comprou a viola de 10. Esmovento.
Renato me lembrou, Antenor precisa de um diapasão, a viola é igual palavra,
essa difícil. Dos meus apontamentos na praia, também contatei o Ramos. Alo.
Olha, ela não está aqui. Perguntei rapidamente; Onde fica o...(não ria disso);
Ah, sim, marcar hora.. Olha, eu tenho... ; Não, não, Ramos, não vou cortar, não
quero marcar hora; Ah, o endereço é Praia do Canto, Rua... e caiu. Apagou.
Nuncamais. Da última vez Daniela atendeu, disse que não era você e me perguntou
se eu não era aquele. Que aquele!, qual? Daniela disse ter visto na internet
temível vídeo de entrevista em que digo; os jornais sempre me trazem de
volta o que eu quero esquecer, por isso não leio nenhum. Eu não acreditei, ela disse. Tua voz parece
a daquele cara, como é mesmo o nome? E depois me perguntou na lata; Como é todo
mundo saber como é a voz da gente?
1
(canção de delirar)
A
noite sendo finita mesmo assim me volta em mistério quando a afronto da
varanda. Transijo com cuidado dentro do silêncio da rua, observo a Mitsubishi
do vizinho estacionada em frente a ampla moradia que me arranca da memória a
casa em que cresci. Casa com muitas árvores. Os cachorros sendo gárgulas vivas
que a guardam da minha imaginação me encaram sem simpatia numa respeitosa
conferência de minha figura magra empunhando uma Stratocaster, se arranho as
cordas agudas eles avançam latindo até o muro de ferro. As nuvens voando para o
sul derramam por mim uma amnésia de sereno e já sem qualquer nota para a
guitarra desligada aceito a brisa no rosto, quando um frio fora de hora me
lembrar que a camiseta hering não foi suficiente. Estou fora dos tempos
verbais, outralíngua. É momento dos torpores de nosso diálogo quando o Ventosul
me vem à ideia; vejo que fui expulso da cidade por aquele grego insuportável. Vôo
pássaro de asas negras sobre a cidade transfigurada pelas avenidas num borrão
dos olhos em maremoto. Sem saber de mim essa cidade pulsa quente por fora do
sonho, se é que sonho. A noite não esvai, ao contrário, contrai e se espasma
lânguida com carinho e uma ponta de limão na língua de margarita, na festa o
meu peito também queimava todos os fogos o fogo e de súbito me apresentava pela
minha própria boca Jose Cuervo, num susto, quando riamos de nós.
3
(caderno manchado com chope)
Abro
a página de hoje, também sem motivo. É um texto vivo. Morre por si mesmo a
banalidade dos dias sonhados. Acima da letra o telefone da Honda para a troca
de pneu Michelin. Chatos virão interromper mesmo zêlo sempre, mosquitos
acadêmicos. É estranho ver gente escrevendo, o que se passa com quem escreve, o
que faz alguém se entregar a isto? Por que os homens inventam o mundo, e mordem
o lábio seco, que sempre foi seco, e que sempre será? Se desato o nó de um
mundo vasto, vento contra o real das salas igual um bicho de ar que o movimento
condena. Alado sou o esmo em desespero que sobreviveu ao trânsito com poemas
que servem para a contagem do tempo enquanto minhas garras rasgam a toalha de
papel e a fúria no peito ateia água no bar, sem os amigos que se foram. Por que
as nuvens voam para o sul? Eu sei que você não sabe. O garçon vem me
perguntar se posso ensinar uma alucinação para o filho, que no fim do ano vai
ganhar um violão Tonante. Ai, menina. Tem hora que meu olho parisdakar enche
dágua. Passo por esse corredor do ictreis que em camadas de memórias egocêntricas
avança sobre mim empilhando tijolos e paisagens oníricas, ainda anteriores às
que hoje invento na tôla tentativa de aliciar a mim mesmo ou quem sabe me
conter. Digo ao homem que o menino reze a cartilha de uma progressão de acordes
primários, preliminares, if love remains / though everything is lost. Esse
paradoxo chamado nome, essa coisa que hoje à noite emana de si Sol quando sei
que as janelas acendem. E amanhã a praia. Esse mar que o vento varre com
violência e carinho. Esse gosto que a palavra tem, e que me leva até você.