21 maio 2012

O que vemos, o que nos olha


Chuva. Segunda-feira de vento e o nublado esparramado pelo vento sul me atravessa. Meu peito é uma armadura medieval mediana, o papel gasto e intelectual dos trabalhadores braçais que não compreendem poemas. Nesses dias impensáveis, que a manhã arranca do infinito num cinza impenetrável, sou o ocidente quieto na sala de estar, olho pela sacada a casa ampla que ladeia a rua do outro. Essa casa que me lembra aquela outra. Hoje de manhã já morri e faço exercícios vocais e imprecisas escalas desenferrujam meus dedos compridos. Contudo, estou irremediavelmente vivo. Sinto saudade daquelas bancas de revista que este silêncio traz por um sortilégio interior quando o diário recomeça a crônica de um folhetim particular, secreto contra nós. O cinza denso no céu chapado é uma coisa sem teto que me esconde de vôos essenciais oferecidos por campanhias intercontinentais às quais não posso pagar. O destino dessa viagem, ao mesmo tempo conhecido e misterioso, vem sofrer aqui passando em ventania enquanto meu corpo decifra o acolhimento do sofá de molas, maravilhoso.

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