Armada noturna

- Deixe-me ver se entendi,..
- Sim, porque esse...
- Calma.. Calma, vc não se deu bem com esse..
- Eu preciso de outro remédio.
- Segundo você, eu sou o médico. Receitei este.,
- Não funciona.
- Escute, semana passada conversamos sobre isso
- Eu não me lembro.
- Você esquece quando acorda..
- A vida é sonho, Calderon
- Ah, meu nome é esse, fico agradecido
- Você está mudando de assunto, eu preciso,..
- Você tem que saber que está sonhando. E que escreve os sonhos. Segundo você, me formei na...
- ...Voltei justamente por isso, de sonho em sonho você tem me receitado coisas que não fazem efeito
- Você adora a academia só pra poder desobedecer
- Quero uma dose mais forte, Calderon.
- Eu sei..
- To falando sério, eu continuo lembrando.
- E tua análise?
- Meu analista viajou pro Chile.
- Isso é coisa que se resolve acordado
- Mas acordado não lembro de nada.
- Acordado você é cerebral demais
- Foi você que se formou no MIT,..
- Ah, tua sofisticação é cínica. Semana passada fui matemático. Já fui trapezista, mecânico de moto..
- Eim?
(Pausa. Sinuca. Jack Daniel’s. Led Zeppelin. Silêncio)
- Então, acordado não lembra de nada..
- Nada.
- Qual o problema então, se vc quer remédio pra memória fotográfica, visual?
- Quero esquecer completamente.
- É só acordar..
- Quando acordo, nada me vem disso. Levanto e vou ao banho escaldante,.. com as mãos no rosto, o branco de página que inicia a jornada está comigo, faço um café forte, saio. ...
- Então...
- Lá pelas três, quatro, cinco da tarde...
- Pensa, vem a lembrança..?
- Sinto com o corpo.
- Achei que você fosse apenas cérebro, juro.
- Não seja lacaniano, Calderon.
- Continue, aproveite que está dormindo
- A lembrança vem aos poucos, mas certa.
- E é o mesmo vestido verde?
- Você também não esqueceu
- É o mesmo.
- Será que antialérgico resolve?
- Nem alergia.
- Que droga.
- Já te passou pela cabeça usar as palavras?
- Elas são difíceis. Eu não sou poeta, Calderon. E você me receitou um livro de Ana Cristina César, ou Sylvia Plath...
- Foi você que quis mais, mais...
- Eu sou um homem tosco demais pra poesia.
- Você tem me pedido poemas, poemas...
- Como assim?
- Esses remédios que vc procura aqui, são poemas. Você já releu toda obra de Álvares de Aze..
- Não brinca comigo, me custa caro vir aqui sonhar.
- Tenho receitado livros, livros. Mês passado receitei um Miguel Marvilla,, vc voltou aqui se achando, dizendo que isso e aquilo. Umas tiradas brilhantes.. até anotei sobre o império romano; citou a tabela periódica de Sérgio Blank, o pós-moderno..
- Eu estou precisando de drágeas, drogas, remédios....
- O teu vício é outro, Dr House.
(Alvorada...)
- Que sono...
- Você vai acordar agora. O vestido verde dará um tapa de luva em tua barba rala, lado esquerdo / tua boca entreaberta é um átimo roubando o grito / joelho coxa quadril memória de pele. Depois a civilização com você, relógio filho de Baumman, homem Heineken burocrático / quando a Armada em iluminura enfeita o oceano plástico da noite de Camburi / ou o vento de sal bebe os pelos das tuas pernas de tarde