Jesiel voltou de Londres com cabelo pintado. Sem dinheiro, bêbado, só. Seus postais mostraram a cidade cinza e interessante, gotas de sonho no inverno. Viajara com sua trupe nessas fotografias, numa montagem de Hamlet: Nos últimos sete anos Jesiel fora contra-regra de um velho teatro inglês, que fechou para ser demolido.
De volta à Recife, onde seu cabelo roxo amanheceu na classe econômica, Jesiel trouxe lembranças. Uma caixa, cinqüenta e dois pocket books e sua velha jaqueta. Esquecera de rasgar fotos do cibercafé, onde trabalhou ano inteiro, depois do teatro ir ao chão. Lavava os banheiros unisex do mundo Adidas. Jesiel abriu e fechou portas em Londres; nenhuma delas a porta certa.
Chegou, pôs-se a procurar emprego. Seu pai, por dever um favor ao Azevedo Rodrigues, antigo sócio, disse que o jovem estava disponível para trabalhar em sua empresa, que depois de apenas dez anos prosperara. Jesiel não recusou a oportunidade, atirou-se.
Sempre disse que queria morrer no trabalho. Ainda deprimido pela falta que a cidade fria lhe fizera; consumido pela dor de ter deixado os amigos, uma trupe de interesseiros; asfixiado pelo calor belíssimo que faz a carne viva no sol duro, marchou a descorar o rosto no hall de entrada do que em secreto apelidara de ColdHell - Materiais, Tarugos e Encanamentos. Lá dentro, a temperatura gelada do ar condicionado lembrava Londres. A entrevista transcorreu bem depois de quatro horas de espera.
Dedicou-se para ver a empresa crescer ainda mais, especializar-se em tecnologia e serviços de manutenção, esquecer a doença do teatro.
Jesiel, os pobres não tem como pensar em Arte. Restou para você essa mesa, esse cartão de pontos. Este setor.
Azevedo Rodrigues é um homem que sabe o que quer: Você vai cuidar do Marketing, garoto... eu gosto de gente assim... sabe que é uma tendência no Marketing, gente que veio do teatro? Você pode vir a ser um consultor algum dia, você trabalhou em Londres. Jesiel sempre ouviu resignado as palavras do Azevedo Rodrigues, palavras que o vento levou para o terreno ermo em que ele fez penetrar uma nova sede da empresa com os estatutos da Qualidade Total.
Nas tardes de sexta, quando o descampado em frente ao pátio dos tarugos faz a miragem em que o sol desmama o sonho, Jesiel lembra com um ponto de pavor na alma o que fora sua existência de mendigo em Londres. A felicidade entreabre uma nova porta como delírio colorido, êxtase de ácido derramado, a cara de Michael Jackson, o Leviatan de Paul Auster. O trabalho forçado de Oscar Wilde. É a lembrança que faz de repente cena bonita em sua cabeça, breve folha que plana depois de morta vinda de uma árvore esquecida pelos tratores.
Gosto de ver você assim, Jesiel... olhando firme para o horizonte, vendo outras filiais? Quando éramos jovens, eu e seu pai, pensamos em muitas formas de negócio, mas nos separamos; ele continuou dedicando-se ao Direito, eu resolvi partir para a iniciativa privada e aí está... sim senhor... aí está.
Jesiel ouve atento. Espera o milagre sem justiça. Escuta as palavras soltas, leves, impunes. A seqüência de mentiras nasce de manhã e engana justos, venera corruptos. No fim do dia, Jesiel apenas agradece. Ajoelha e agradece. Não pela fama, que não tem; nem pelo reconhecimento de seu talento. Como um observador secreto, Jesiel agradece por estar vivo em Londres.
De volta à Recife, onde seu cabelo roxo amanheceu na classe econômica, Jesiel trouxe lembranças. Uma caixa, cinqüenta e dois pocket books e sua velha jaqueta. Esquecera de rasgar fotos do cibercafé, onde trabalhou ano inteiro, depois do teatro ir ao chão. Lavava os banheiros unisex do mundo Adidas. Jesiel abriu e fechou portas em Londres; nenhuma delas a porta certa.
Chegou, pôs-se a procurar emprego. Seu pai, por dever um favor ao Azevedo Rodrigues, antigo sócio, disse que o jovem estava disponível para trabalhar em sua empresa, que depois de apenas dez anos prosperara. Jesiel não recusou a oportunidade, atirou-se.
Sempre disse que queria morrer no trabalho. Ainda deprimido pela falta que a cidade fria lhe fizera; consumido pela dor de ter deixado os amigos, uma trupe de interesseiros; asfixiado pelo calor belíssimo que faz a carne viva no sol duro, marchou a descorar o rosto no hall de entrada do que em secreto apelidara de ColdHell - Materiais, Tarugos e Encanamentos. Lá dentro, a temperatura gelada do ar condicionado lembrava Londres. A entrevista transcorreu bem depois de quatro horas de espera.
Dedicou-se para ver a empresa crescer ainda mais, especializar-se em tecnologia e serviços de manutenção, esquecer a doença do teatro.
Jesiel, os pobres não tem como pensar em Arte. Restou para você essa mesa, esse cartão de pontos. Este setor.
Azevedo Rodrigues é um homem que sabe o que quer: Você vai cuidar do Marketing, garoto... eu gosto de gente assim... sabe que é uma tendência no Marketing, gente que veio do teatro? Você pode vir a ser um consultor algum dia, você trabalhou em Londres. Jesiel sempre ouviu resignado as palavras do Azevedo Rodrigues, palavras que o vento levou para o terreno ermo em que ele fez penetrar uma nova sede da empresa com os estatutos da Qualidade Total.
Nas tardes de sexta, quando o descampado em frente ao pátio dos tarugos faz a miragem em que o sol desmama o sonho, Jesiel lembra com um ponto de pavor na alma o que fora sua existência de mendigo em Londres. A felicidade entreabre uma nova porta como delírio colorido, êxtase de ácido derramado, a cara de Michael Jackson, o Leviatan de Paul Auster. O trabalho forçado de Oscar Wilde. É a lembrança que faz de repente cena bonita em sua cabeça, breve folha que plana depois de morta vinda de uma árvore esquecida pelos tratores.
Gosto de ver você assim, Jesiel... olhando firme para o horizonte, vendo outras filiais? Quando éramos jovens, eu e seu pai, pensamos em muitas formas de negócio, mas nos separamos; ele continuou dedicando-se ao Direito, eu resolvi partir para a iniciativa privada e aí está... sim senhor... aí está.
Jesiel ouve atento. Espera o milagre sem justiça. Escuta as palavras soltas, leves, impunes. A seqüência de mentiras nasce de manhã e engana justos, venera corruptos. No fim do dia, Jesiel apenas agradece. Ajoelha e agradece. Não pela fama, que não tem; nem pelo reconhecimento de seu talento. Como um observador secreto, Jesiel agradece por estar vivo em Londres.