01 setembro 2008

Amantes à mesa

Will se impacienta com o narrador, mas aceita resignado o mote fugidio. Encontra com Paula Maria, nutricionista de 30 anos cevada na academia da Avenida Rio Negro, perto do Café Tatoo, onde Jonas Peixe, surfista carioca, se aventura na iniciativa privada para servi-los de sucos naturais. O local dá com a fronte para o antigo restaurante italiano que já foi loja de decoração década e meia atrás, e nesse tempo refletia das vitrines o corpo de Laura, ainda adolescente a caminho do curso de inglês. Esse curso de inglês vem recordado junto à casa antiga que o abrigava bem ao lado do restaurante, hoje vizinho do prédio um por andar que nasceu de sua morte, possibilitando o assentimento da obra, e acalentará assim o encontro fantasmático da pretérita loja e seu antigo ladeamento. Sem saber disso, num dos últimos andares do prédio erguido, Monica acaba de entrar em casa e caminha para o quarto, orbe geminado ao do irmão, Paulo Eduardo, estudante da FGV saindo no gerúndio silencioso pela garagem do prédio com o Golf azulado para a rua, quando vira à direita, acelera e passa em frente ao Café Tatoo sem ver Juliana, ex-namorada que acabou de chegar de uma viagem desconhecida pelo narrador. Ela recebe pelo celular um torpedo da amiga Monica, a irmã de Paulo Eduardo agora sentada na cama tirando o jeans da Zoomp enquanto espera entediada o PC reinicializar em nova língua. Mas isso é aos poucos substituído por novo roteiro turvo, desaparece. No Café Tatoo, dentro de sua bolsa descolada, remexe o maxixe insuspeito do celular de Juliana até quando a moça o envolve com os dedos e à palma da mão o aperta, depois puxa para trás todo o corpo devagar até acender ereto. Enquanto pede suco de siriguela ao garçom sem nome e descruza as coxas de saia leve, ignora a ligação de Monica, e espera o sinal do celular trazer a voz de Paulo Eduardo, que não quer atendê-la nunca mais. Já perto do aeroporto, rasgando a praia com o carro azulado a caminho da felicidade suíte master periférica à cidade presépio, o futuro executivo não percebe quando a namorada, Aline, pega seu telefone entre os bancos de couro preto e atende. Contudo, antes das duas amigas de infância se reconhecerem, esse momento escrito é também posto de lado e novo itinerário de texto a tudo atordoa e assalta de outra ligação, não para Paulo Eduardo, que já é passado, mas para o próprio narrador. Os olhos azuis de Juliana sorriem para ele, que não sabe o que fazer, e assim permanece. Na despedida, a moça roça o seio esquerdo em seu antebraço e some do texto. É quando, em frente ao prédio, Laura estaciona seu carro numa vaga com a ajuda do flanelinha que também não tem nome, assim como o garçom do Café Tatoo e João Batista, gari que sete horas da manhã limpou, entre insetos desertados, o pedaço de rua que a todos acolhe. Rapaz de 18 anos, o flanelinha ignora que a mulher que sai do carro já estudou inglês ali em frente antes dele nascer. Esse um, como os outros, menos o narrador, desconhece que exista mundo acontecido antes, assim como outro que viria depois de ser ele mesmo o presente. Laura, por exemplo, desmemoriada de romantismos, geralmente não se lembra, nem do curso de inglês, nem de qualquer coisa que haja em passado nele; frase, palavra, qualquer encontro banal com Luís Glauco, soberbo cdf que nunca a esqueceu. Do Café Tatoo, o súbito soslaio de olhar que puxa Will para o outro lado da rua também a vê e prende em seu seio a boca da atenção por um momento, sem saber de onde sua forma, seu contorno ou movimento ecoam, e pelo que deram ou negaram seu desfecho final no epicentro da situação com Paula Maria, enquanto esta da mesa o observa, e fuzila a mulher flanando pela calçada oposta, essa mulher absorta em qualquer coisa para a qual não existirá uma história.

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