Luciana Gorda sempre me irritou. Não por ser burra, nem mesmo idiota. Era a gordura dela que espremia contra o armário de notas tristes. Aquele sorriso. Nada como um sorriso quando se trabalha na administração de empresas. Sorrir num lugar desses é a marca da suportabilidade amena. Hoje em dia, quem não quer uma amenidade? Todos vêem o quanto um ser humano mente quando ele sorri num escritório; levanta jogando a bola pro colega e atravessa o meio campo sem a pasta vermelha até perto da janela pra futucar no ar condicionado: Território do Reinaldo Santo. Ar condicionado era com ele. Mexia até conseguir gelar o cu do chefe.
Esse vivia andando pelo pátio, destemperado contra o vento, metido num jeans que desbotava em cima do saco de tanto pegar. Ah... a coloquial masturbação dos chefes, pensando ganhar dinheiro enquanto a mais velhinha varre o corredor emporcalhado de óleo, Chiclete Adams, isqueiro Bic. Quando o chefe passava bufando, Dona Francisquinha continuava a sina de Sísifo no pós-moderno. Assim que a porta batia de volta, Reinaldo Santo levantava da mesa, deixava as últimas horas a destrinchar um Excel maldito, caminhava com passos curtos de animal acuado até o tufão emparedado, tirava-lhe o botão: engatilhava o bicho pra gelar a eternidade. Voltava com a cara inocente.
Um dia Luciana Gorda embuchou. É... recebeu injeção, embarrigou, duplicou de tamanho de repente. A visão do inferno. Apareceu dias depois convidando pro casamento, no qual aliás, o pároco evocou a castidade, a seriedade, o compromisso com a virgindade. Ela toda sorrisos. O noivo, magro com seus dentes, avaliava o agregado todo como um bando demente. Ela apareceu no escritório meses depois pra acertar contas. Vestida com roupa feita pra mulher com menos 40 kg, continuava sorrindo. Parecia ter esquecido que fomos ao casamento. Que flertamos com a fortuna ao encararmo-nos quase todos uns aos outros na mesa da recepção bebendo Fanta Laranja, comendo pastel de frango e depois entupindo palavras com torta salgada. Secretárias nunca se lembram de casamentos.
O lugar dela foi ocupado por Reinaldo Santo. Legitimada a poli position tudo aquietou-se no trampo. Trabalhar é morrer um pouco a cada dia. É um pouco pior que a escola, onde também existem idiotas por todo lado, porque o trabalho a gente não pode esperar que acabe. O tipo do lugar que se te pegam com um livro na mão, é vagabundagem. Que jeito? --- Parar de ler. A mágoa é perigosa: abracei a idéia como louco; com o passar dos anos, quis fazer com que todos temessem livros. Seduzi a parar de ler, e completamente. Peões e universitários são muito parecidos, afinal: a procura desesperada pelo boteco mais próximo e o horror aos livros. Eu estava em casa. Era meu estratagema.
Não que lessem algo, não. Referia-me aos jornais. Comecei a infiltrar no cenho dos viciados que a leitura dos jornais poderia ser nociva ao Método, ao Sistema. Perda de tempo e trabalho. A hard Skinner man. Foi quando me alicercei na Qualidade Total para sobreviver; bebendo Coke, tentando desesperadamente transformar colegas de trabalho em colaboradores. Uma aventura sem precedentes, lucífuga. Era hora de escolher palavras cretinas.
08 novembro 2005
,..
,.
- jan. 2021 (1)
- set. 2020 (1)
- jul. 2020 (1)
- jun. 2020 (1)
- abr. 2019 (1)
- jan. 2019 (1)
- dez. 2018 (2)
- jun. 2017 (1)
- abr. 2017 (1)
- fev. 2017 (1)
- nov. 2016 (1)
- jul. 2016 (1)
- jun. 2016 (1)
- mai. 2016 (1)
- abr. 2016 (1)
- jan. 2016 (1)
- jun. 2015 (1)
- mai. 2015 (1)
- abr. 2015 (1)
- jan. 2015 (1)
- dez. 2014 (1)
- ago. 2014 (1)
- jul. 2014 (1)
- mai. 2014 (1)
- mar. 2014 (1)
- fev. 2014 (1)
- dez. 2013 (1)
- nov. 2013 (1)
- ago. 2013 (2)
- jul. 2013 (1)
- jun. 2013 (2)
- mai. 2013 (2)
- abr. 2013 (2)
- mar. 2013 (1)
- fev. 2013 (2)
- jan. 2013 (2)
- dez. 2012 (1)
- nov. 2012 (2)
- out. 2012 (1)
- set. 2012 (3)
- ago. 2012 (1)
- jul. 2012 (3)
- jun. 2012 (3)
- mai. 2012 (2)
- abr. 2012 (3)
- mar. 2012 (2)
- fev. 2012 (1)
- jan. 2012 (4)
- dez. 2011 (7)
- nov. 2011 (4)
- out. 2011 (6)
- set. 2011 (3)
- ago. 2011 (5)
- jul. 2011 (7)
- jun. 2011 (7)
- mai. 2011 (6)
- abr. 2011 (1)
- mar. 2011 (4)
- fev. 2011 (5)
- jan. 2011 (1)
- dez. 2010 (5)
- nov. 2010 (7)
- out. 2010 (5)
- set. 2010 (5)
- ago. 2010 (6)
- jul. 2010 (4)
- jun. 2010 (5)
- mai. 2010 (2)
- abr. 2010 (3)
- fev. 2010 (3)
- jan. 2010 (3)
- dez. 2009 (3)
- nov. 2009 (1)
- out. 2009 (3)
- set. 2009 (2)
- mar. 2009 (1)
- out. 2008 (1)
- set. 2008 (1)
- ago. 2008 (1)
- jun. 2008 (3)
- mai. 2008 (1)
- abr. 2008 (5)
- mar. 2008 (2)
- fev. 2008 (2)
- jan. 2008 (1)
- dez. 2007 (2)
- nov. 2007 (4)
- out. 2007 (5)
- set. 2007 (1)
- mai. 2007 (3)
- mar. 2007 (1)
- fev. 2007 (1)
- dez. 2006 (2)
- jul. 2006 (1)
- jun. 2006 (2)
- abr. 2006 (1)
- mar. 2006 (1)
- fev. 2006 (1)
- jan. 2006 (6)
- dez. 2005 (7)
- nov. 2005 (7)
- out. 2005 (3)
- set. 2005 (4)
- ago. 2005 (1)
- jul. 2005 (3)
- jun. 2005 (2)
- mai. 2005 (4)
- abr. 2005 (8)
- mar. 2005 (5)
- fev. 2005 (2)
- jan. 2005 (3)
- dez. 2004 (5)
- nov. 2004 (5)
- out. 2004 (3)