Pois não, senhor.
Traga também alguns croissans
Sim, senhor.
Juan, você...
Nem me fala dessa porra, eu não quero saber...
(mastigando azeitonas, sem caroços)
Juan, não se resolve o negócio desta forma
Não se resolve o negócio desta forma... (fazendo chacota)
Quanto ela quer
Eu sei lá, eu não paguei. Aquela piranha não..
(volta o maitre, observa com olhos azuis)
O Château Litour, senhor.
Espere. Acho que posso resistir ao Latour. Traga uma de minhas garrafas
Ótima escolha, senhor.
Ótima escolha, senhor. (fazendo beiço) Esse cara só sabe puxar?..
Ele é pago para isto, Juan. Pode ir Ricardo
Com licença, senhor.
(des-rindo para janela e vitrais; estalando a boca; anchovas) Estou cansado desse clube, Márcio.
Você se cansa das coisas com facilidade
Tudo isso.., que merda...
Seu palavreado é um lixo, você anda pela rua da lama e acha um grande lugar
..; me passa um desses...
(vem o maitre servir) Aqui está, senhor. (serve os filetes de madeira para acender o Montecristo)
Márcio, (baforando na cara do maitre)
Sim... (baforando também; agradecimento)
Márcio.., (degustando devagar, voltando a querer falar sobre Suz) ... aquela...
(com o bouquet na mão direita, quase), Você não sabe tratar uma mulher
Márcio, ela é uma piranha.
Naturalmente
(o maitre agora serve Juan. Satisfação e masoquismo; garrafa de particular de Chateau Lafite, fenomenal) Algo mais, senhores?
Pode ir.
Com sua permissão.
Márcio, que estrupício é esse?
É um dos melhores de São Paulo, não me irrite
Ricardo não é nome de maitre..; que merda é essa?
Eu prefiro assim
Daqui a pouco eu encontro um xará na cozinha..,
Você nunca vai à cozinha
Ainda bem.
Não emita qualquer observação sobre o vinho
Eu o conheço muito bem, não ligo pra esse negócio.
Para que negócios você liga
Os meus vão muito bem, obrigado.
Com quatro advogados comprando tudo, é claro que vão
(rindo) Eu nem sempre pago por tudo, Marcito.
Não repita isto
Tudo bem, eu...
Deveria pagar. Comece pela sua mulher
Suz é uma piranha
Excelente observação
Você está começando a falar como o maitre.
Diplomata e maitre; em alguns momentos mesmos senhores requerem mesmos modos, você sabe disso tanto quanto eu
Eu estou cagando...
Aliás você não deveria descurar de sua imagem, isto aqui é São Paulo, não Mônaco
Ah... você lembra;; certamente. Pena Suz ser aqui como não é lá.
Com dinheiro, o amor se torna compassivo. Não espere de sua mulher o que ela não pode
Márcio, seu crápula..,
Não beba depressa, esta garrafa..; você sabe o que ela significa
Sei muito bem. Se você não tivesse aceitado os presentes do Secretário, ainda em Mônaco...
Nós não tínhamos relações tão sólidas com a subjetiva interpretação do Embaixador ao olhar as deficiências e interesses da América latina
Não me venha com esse lixo, Márcio. Eu estou falando da Suz..; em Mônaco...
Todos sabem que sua esposa tem um amante. Que ele seja de Mônaco conta a seu favor
(uma pequena pontuação do maitre servindo mais vinho) Com licença, senhores.
Ela quer que eu volte. Piranha.
Toda mulher deseja um retorno, mesmo sem ter lido Proust
A Suz conhece toda a...
Naturalmente. As mulheres realmente perigosas fingem ter lido Proust
O senhor aceita outro aperitivo? (o maitre, indagando à Juan)
Aceito que você se foda, naturalmente.
Com licença, senhor.
Você não se lembra mais do declínio de Roma; usa demais a maldade
Foda-se Roma, Márcio. Quero que Roma se...
Foi em Roma que Suz começou a traí-lo com homens de baixo calão
E você vem me falar de relações subjetivas, interpretações da América Latina...
Diga-me Juan, quando você prestou o concurso? O Brasil não se furta ao meu espanto
(meio riso) Você não acha que eu sou tão bem relacionado, não é mesmo?..
Acho que você é um corno
(silêncio e mastigando)
... Você sabia (agora iniciando uma digressão) e concordava com aquelas orgias
E você não? Vai dar uma de santo agora, seu escroto.
Calma. Todos nós comemos a sua mulher, naturalmente. Que mal há nisto
(silêncio, ódio e respeito)
... Digo-lhe, com louvor. Agora, estas garrafas que nós bebemos de forma aprazível
Márcio (fazendo sinal para o maitre, que vem prontamente entre as poltronas de couro), a Suz; minha...
É uma boa mulher, traga-a de Mônaco. Mas deixe-a passar mais alguns dias por lá. Eu conheço o rapaz
Pois não, senhor?..
Traga uma Perrier.
Sim, senhor.
O que você acha? Pondere
(pensamentos...)
Vamos falar do que nos trás aqui, Juan
O que me trás aqui é seu conhecimento desse rapaz.
(silêncio quase Godard)
Não
(silêncio aparentemente sem direção)
Meu conhecimento desse rapaz é, para você, inalcançável. Contudo, para mim, um cheque pastor
O enxadrismo não me interessa quando estou bebendo, Márcio. Nem o considero um jogo.
Finalmente uma lembrança do homem que você foi
(silêncio que resgata a inteligência)
Você sabe que eu tenho intenção de comprar o Vacheron
É por issssso?
A Perrier, senhor.
(aponta as taças rapidamente, sem olhar) Márcio, vá se foder.
(rosto lívido, leve cansaço) Saboreie um pouco... o Château Lafite
O Vacheron não está à venda.
Como eu dizia antes, estas garrafas que nós bebemos de forma aprazível me foram dadas como presente
Agrados do Secretário; para você calar a sua boca sobre o remanejamento.
Remanejamento..? Que palavra é esta, Juan
Tudo bem, na prática o protocolo tinha suas idiossincrasias, qualquer porra. Era simplesmente ir ou não ir; ser ou não convidado para um recital. Cacete, um recital...
Um recital em um castelo não tão desconhecido por todos nós
Tudo bem, beba essas doze garrafinhas, eu te ajudo.
Vamos beber as duas que estão na casa, por que não
Nem tente fazer isto, Márcio.
Eu sei que você gosta de beber, por que não aceitar uma delas, presente meu
Márcio, já te mandaram tomar no meio do cu?
(Márcio reacendeu o seu Montecristo)
Juan, meu amigo.., todos nós lembramos daquele jantar. Eu mesmo não pude, entre as maravilhas dele, esquecer o Vacheron. Sei que foi praticamente um presente, arrematado, digamos, usando quatro ases
Onde você quer chegar?
Deixe-me vê-lo
Deixe-me saber sobre o rapaz.
Sei que ele é de 1778
Tão velho assim? (rindo...)
O Vacheron, naturalmente (baforando seu Montecristo com elegância)
Os cubanos servem, afinal... (rindo para ou de Márcio)
Sim, todos os ditadores nos são exemplos de algo. Quando não são, restam suas manufaturas
Quem é o rapaz?
O filho de um armador francês
É um dos seus homens de baixo calão?
É um bon vivant. E somente por estar onde estava podemos saber que é erudito
O que ele tem com a Suz?
Sexo
Mas não existem filhos?
Essa versão nos foi ofertada como estratégia para desviar sua atenção daquela noite, quando jantamos no castelo
Mas... foi apenas uma celebração.
Você não pode continuar se embebedando em jantares formais; alguns deles terminam louvando a Dioniso, não à Baco
Pensei que fossem o mesmo.....
Não são (levantar de sobrancelhas)
Você e suas entrelinhas.
O armador é irmão do Secretário
(espanto e admiração)
Este, ao me presentear as doze garrafas de Château-Lafite, recomendou discrição ao acompanhar o caso de algumas concessões; e em sua conseqüência, também de articulações financeiras de amigos, membros de uma sociedade
Essas sociedades são mito, Márcio.
Você sabe que elas existem, Juan. Mesmo num país deselegante como o Brasil
Mas estávamos do outro lado do Atlântico.
Aqui é São Paulo
Diga-me sobre o rapaz.
Suz levou o filho do armador ao porão, onde se desenvolveu o acontecido
(silêncio pasmo)
Sim, é o rapaz
Aquele rapaz é sobrinho do Secretário, e amante de minha mulher?
Calma. Ocorre de o Secretário, estando conosco no porão, onde naturalmente estávamos todos, ter sido capturado pela magnitude do Vacheron
(Juan reclina a cabeça um pouco para trás. Amassa seu Montecristo no cristal, sorve o resto da água)
Estou me fazendo compreender
Sim. Prossiga, por favor.
Vejo que aos poucos você recupera adereços e talentos de um homem de realizações internacionais
Com licença Márcio, preciso de mais água (levanta a mão esquerda, faz a aliança brilhar chamando o maitre. Escapa de sua abotoadeira dourada a esplêndida pulseira do Vacheron)
(últimas tragadas, o leve sorriso das relações) Sim
Pois não, senhor.
Traga rápido. (apontando a garrafinha de Perrier)
Imediatamente, senhor.
Por favor, prossiga meu amigo...
Todos encontrávamos satisfação com o que nos participava a reunião até seu ocaso, amanhecido o dia
Sim...
E, também participante, o Secretário pôde observar, não sem grande admiração, dois espetáculos
Compreendo agora parcialmente o que você quer dizer. Um deles, minha esposa.
Exatamente, e quanto a isto podemos saber qual destino os enredou naquela mesma noite
O outro foi...
... ele mesmo
Em verdade, não é de 1778 e sim de 1777.
(silêncio de ambos)
Meu caro Márcio, fale-me sobre o rapaz.
Tem todos os atributos de um jovem promissor
Presumo que sim. Não o reconheço como um dos homens baixos que você citou.
Ele não é burguês como a lamentável família que tem. Segue os preceitos do tio, que conhecemos
O Secretário... .. .
(o momento)
Juan, os acontecimentos daquela noite, mesmo sendo vigorosos o bastante, não puderam ocultar ao olhar refinado de alguns amigos o valor do Vacheron
Prossiga, meu amigo. Esclareça também sobre o motivo de estarmos aqui, ao sabor desta magnífica garrafa.
(rouge)
Sim
O que aquele rapaz tem com toda sua explanação?
Sendo o Secretário homem finíssimo e sagaz, depois de observar nossa reunião e propósitos, pôde concluir o quanto seu sobrinho causara admiração, e em alguns casos afeição
Já não duvido disto.
O Vacheron foi notado, também, por alguns de seus amigos, os quais pediram sua colaboração para encontrá-lo. Por este motivo o Secretário me procurou
Você deve..,
Sou um homem rico, não milionário. Farei o possível para que possamos fazer negócios frutíferos
O Secretário deseja possuir o Vacheron?
Amigos do Secretário o desejam
Amigos?
Sim
(rubor e destreza; regência de Karajan)
Quem são esses homens? Estavam conosco?
Sim, e desejaram desde então não se identificar, pedindo ao Secretário sua colaboração
Com respeito, Márcio... qual o motivo de sua participação? Por que eles não me...
Porque você negaria.
Então por que prosseguirmos?
Porque o Secretário pode
O Secretário é milionário.
Certamente. E também é tio do rapaz
Prossiga, meu amigo. Como posso ajudar?
Tendo o Secretário observado tanto em Suz quanto em você uma natural e sincera afeição por seu sobrinho, disse-me que pode apresentá-lo à sua pessoa
(síncope e contenção)
Estou ouvindo,..
Eu disse que faria a mediação por minha conta, com prazer
E o que pretende?
Comprar o Vacheron, de meu próprio bolso
Mas o que te faria..?
Motivos, Juan... todos os temos e as vezes tememos, podemos fazer com que a satisfação venha sobre nós por esta causa, o que me diz
Sim, por tudo o que disse, compreendo que poderia ser acertado, notadamente acertado.
Desta mesa, podemos finalizar a empreitada. Aqui está o telefone
Aqui está o Vacheron (desabotoando a manga esquerda; elegância; Juan o revolve lentamente)
(segundos)
Diga-me.
Você impõe as condições, eu efetuo o pagamento
Poderemos realizar o negócio em Euros.
Acertado, você sabe o quanto desprezo o dólar
Posso assegurar que por 480 mil ficaremos felizes.
(a maldade na hora certa)
Compreendo o valor de uma jóia; também sei o de um desejo. Ao equilibrá-los na medida de um mesmo negócio, julgo poder fazer um leve declínio, de 80 mil
(o fumo perfeito do capital)
É minha intenção ponderar, afim de nossa felicidade; assim como a de nossos amigos.
Estamos já em felicidade, (chama o maitre, leveza) diga-me seu número
Fale-me sobre todas as partes, Márcio.
Pois não, senhor.
Traga minha outra garrafa
De imediato, senhor.
Você dirá; todo o tempo é seu quanto a isto
(enquanto telefona) Diga-me o número da conta
(pausa de torpor, fúria, vigor)
Com licença, senhores.
(gesticula um pedido à Juan para que faça o bouquet)
Nunca me cansarei do Château Lafite, Márcio. Em muito supera todos os de maior excelência!
Comemoremos
Aqui está o Vacheron, meu amigo.
(silêncio; Wittgenstein)
Será preciso aguardar alguns dias, até que Suz venha de Mônaco com seu amante
E quanto ao rapaz, como é seu nome?
Dolmancé
29 outubro 2004
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