uma memória que me absorve e afundo até ela deitado num colchão de ar: as costas na madeira da cama e o universo acima de mim na grande nuvem de Magalhães como teto do quarto em que se desenhasse em sonho. E um esquecimento nietzschiano, esportista, sovasse as pilhas de romances em minha mesa como intuição ou presságio da escrita que virá: com meu próprio livro leio o memorial que erige e faz desvanecer a cidade em obras, o hipertexto imagem e letras. Camburi está cheia de máquinas acesas da vitória marcial dos homens, e a experiência da vida durante a noite escava uma última coisa ponto lugar depois do hiato. A literatura é profunda como um mar, mesmo poluído com pó e ferro, silêncio e cartelas de antialérgico: tempo domar: O amor que desfaz o nó do código da oração na qual todos os caminhos levarão à linguagem do labirinto de uma insuspeita roma, ascendente de todas as cidades.
Estou quieto, com a noite negra do futuro e a peste estranha de um tempo. Minhas mãos sem carinho, minha boca de lábios secos e meu caderno de última página reciclada chegaram ao fim de semana. E o tecido leve do romantismo com vírgulas sobrevoou igual nuvem no afterglow rendido, insuperável como um poema, até que anoiteceu. Agora é esse o ponto, que dói fundo e sutil no escuro das canções, no quereres do desencontro, na dor aguda e quando espalha na doideira lúcida os planos dos pequenos kafkas no mundo do trabalho: e agora mais ainda por dentro de si a noite tem tudo perto, perto demais para não ser longe.
Antonio dava play no The Police Every Breath You Take quando parou. Era mesmo ela, mesmo carro branco em frenagem, também, um paralelo do retrovisor. Aline parecia tirar dos braços um tecido, desses de mulher por nos ombros. Every single day quase reta da penha a fila andou, Aline ficou uns cinco metros atrás até vir novamente, parar ao lado. Os olhos imersos no trânsito e os gestos amplos para o viva voz atrás do volante mostravam sua regência protegida pelo ar condicionado. Antonio olhou por trás do seu outro vidro película negra, disperso da própria máscara azul escuro como quem terá um rosto de cavaleiro inexistente e medieval que não dialoga com a guitarra concisa e timbrada da música de 1983, a elegância do Sting etc. Mas o destino é um perfume num tecido fino: atravessava real e tempo, material e vivo como consequência dele, Antonio, ter escapado mais cedo da agência, às 17:00: a caminho do jogo de sinuca com os amigos no bar do Adamastor depois de anos sem aparecer. A música acabou, vem outra no spotify, I have stood here before inside the pouring rain: O olhar de ensaio sobre ela num roubo irreal, do impossível sorriso de Aline agora ornava a herança do homem na borda da tarde, surdo à sua voz rouca e com um canto próprio Ω Ela vinha dentro dele no vazio do peito como se nessa dor dali em diante ele voltasse inteiro nela dentro de sua voz que era o seu corpo e mais dentro de suas palavras que eram sua despedida, o que ela lhe dera numa gravação rápida, whatsapp então tchau. O sinal abriu e Antonio acelerou com a tropa de motoristas; o celular é só trilha sonora dos novos versos nada a ver com a rudeza dos homens ombro a ombro tangidos (ê,boi) na cidade.
Da minha varanda a rua é o Rio de Cimento onde foram recapeados os blocos hexagonais do antigo mundo. De noroeste vem o vento, a memória dessa sexta-feira 11 de dezembro de 2020 impregna meu rosto e desvanece orvalho em meu cabelo quando afaga os novos fios de prata, luar que me olha bem dentro dos olhos. Noite que é respiração de um outro no mundo. Meu cabelo dilacerado acrescenta à rua algo tátil para a rajada fria inócua na história dos ombros pitorescos de homem sem asas por dentro, espantalho aquém da nuvem de astros, sem dormir ou sonhar que é vivo e andante ou que lê no celular as notícias de um antídoto, uma lei segura, um flit paralisante,