19 maio 2013

Nau


Pelo campo de sol à pino minha pele salga de protetor solar L’Oreal. Desejo a alucinação igual a mordida em meu ombro esquerdo que me desenha palavras com a língua de um beijo. Caminho até o fim da reta mar que se esvai no oceano: nau de areia e pedra, pescadores e eu. A orquestra secreta no tempo do mar já é vasta quando do píer meu olhar é a figura de proa e se lança às embarcações uma falível sequência de cálculos, um anônimo nome, uma prodigiosa memória de esquecimentos que canta à Musa o segredo que os homens ferem nas cartas náuticas pelo exagerado estudo de uma cintilação solar. Explosões que nos modificam a fonética em um corpo no qual o prazer e a dor ardem numa epiderme de palavras, as quais em misteriosa sonoridade se abrem e espalham pelo firmamento fechado à procura do silêncio. Toda pausa de seminfusa tem dentro o fel de uma saudade em semibreve. Assim o vento furioso também sonha e aperta as ancas das nuvens quando a densa tempestade é o jorro de todos os homens e seus idiomas iguais, essa tempestade-pintura que da ponta do píer estou regendo, maestro de uma solidão terrível. Com minha caneta Pilot 0.8 na mão direita estou no comando de uma pseudo batuta insólita e os ventos da preamar jogam contra meus restos de cabelo para trás das entradas da testa as fúrias que eu já dominei. A pintura viva se modifica e vou manchando no céu o desespero de uma miríade de sons até que a praia de Camburi acende minha ganância.  Os pescadores olham para mim com absurdo sem saber, como eu, que é a música de Antônio Carlos Jobim que nos translada em algum sutil prelúdio às valsas preliminares por onde lhe desnudo num slowmotion o gosto irresistível que tem o desejo. Tua respiração também tem um andamento e presa dos meus olhos de si mesma exala o perfume rosa de sinestesias, teu abraço me vence o pavor da cidade sem memória nem incêncios. Abro as asas pela noite escura que virá e do lucífogo lamento de homens me vôo vestido de negro por sobre o baile na casa de festas, por sobre o corte do canal que separa a ilha de Vitória do continente soldado de Camburi; e se me levo e velo um futuro ao largo dos cães de boa vontade aro a cruz que carrego quando aceito que tal futuro é o furo que não me condenará. Da exógena lição que o presente na civilização encarna por momento me vejo com minha camisa black tie, contudo volto ao píer onde alucino: és a verdadeira perda e encontro nodal do outro enquanto a música diminui num fading os pudores da virtualidade até o movimento silente dos desejos aceitarem novo alfabeto ainda mais nosso: nos segredos guardados, nas metades de palavras cortadas, nos fonemas que se perdem no gosto, nas horas que doem de prazer, nos choros que a vida não pôde aplacar: polifonias, vozes, línguas: os sons desse mar do sal da terra que somos através do outro.

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