Pelo campo de sol à pino minha pele salga
de protetor solar L’Oreal. Desejo a alucinação igual a mordida em meu ombro
esquerdo que me desenha palavras com a língua de um beijo. Caminho até o fim da
reta mar que se esvai no oceano: nau de areia e pedra, pescadores e eu. A
orquestra secreta no tempo do mar já é vasta quando do píer meu olhar é a
figura de proa e se lança às embarcações uma falível sequência de cálculos, um
anônimo nome, uma prodigiosa memória de esquecimentos que canta à Musa o
segredo que os homens ferem nas cartas náuticas pelo exagerado estudo de uma
cintilação solar. Explosões que nos modificam a fonética em um corpo no qual o
prazer e a dor ardem numa epiderme de palavras, as quais em misteriosa
sonoridade se abrem e espalham pelo firmamento fechado à procura do silêncio. Toda
pausa de seminfusa tem dentro o fel de uma saudade em semibreve. Assim o vento
furioso também sonha e aperta as ancas das nuvens quando a densa tempestade é o
jorro de todos os homens e seus idiomas iguais, essa tempestade-pintura que da
ponta do píer estou regendo, maestro de uma solidão terrível. Com minha caneta
Pilot 0.8 na mão direita estou no comando de uma pseudo batuta insólita e os
ventos da preamar jogam contra meus restos de cabelo para trás das entradas da
testa as fúrias que eu já dominei. A pintura viva se modifica e vou manchando
no céu o desespero de uma miríade de sons até que a praia de Camburi acende
minha ganância. Os pescadores olham para
mim com absurdo sem saber, como eu, que é a música de Antônio Carlos Jobim que
nos translada em algum sutil prelúdio às valsas preliminares por onde lhe
desnudo num slowmotion o gosto irresistível que tem o desejo. Tua respiração também tem um andamento e presa
dos meus olhos de si mesma exala o perfume rosa de sinestesias, teu abraço me
vence o pavor da cidade sem memória nem incêncios. Abro as asas pela noite
escura que virá e do lucífogo lamento de homens me vôo vestido de negro por
sobre o baile na casa de festas, por sobre o corte do canal que separa a ilha
de Vitória do continente soldado de Camburi; e se me levo e velo um futuro ao
largo dos cães de boa vontade aro a cruz que carrego quando aceito que tal
futuro é o furo que não me condenará. Da exógena lição que o presente na
civilização encarna por momento me vejo com minha camisa black tie, contudo
volto ao píer onde alucino: és a verdadeira perda e encontro nodal do outro
enquanto a música diminui num fading os pudores da virtualidade até o movimento
silente dos desejos aceitarem novo alfabeto ainda mais nosso: nos segredos
guardados, nas metades de palavras cortadas, nos fonemas que se perdem no gosto,
nas horas que doem de prazer, nos choros que a vida não pôde aplacar:
polifonias, vozes, línguas: os sons desse mar do sal da terra que somos através
do outro.
,..
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