13 dezembro 2011

Noite transfigurada

Acordo sem sonho, perambulo no destino exato até a mesa onde abrirei meu caderno como se lhe fosse tirar meias três quartos. Descalço, camisa pintada se a tinta acrílica lambeu de carmim o branco perto da virilha antes de deitar. Moletom preto com pose oriental das artes marciais que gastam os homens na imaginação. Minha trajetória pelo escuro escava o sonho, escultura estranha em que aos poucos me acordo e lanço em problemas satélites os quais não somam em cálidas mentiras a força real da priápica insônia em linha reta. Até a varanda, evoé. Tem nada na rua, absolutamente. A Mitsubishi do vizinho, os quarteirões para a praia de Camburi. A Catedral orgíaca. O baixo Leblon: Alta noite já se foi porque nunca ia. O tanto que volto à mesa de madeira me espera na cozinha, mesa bonita, rústica. Gostosa de passar a palma seca da mão. Vazo pelo círculo das quartas e quintas declinando escalas musicais encantatórias, atravesso para a sala e nunca mais. Abismos & melismas. De Bergman no Cinema Estação (parar por aqui, isso não irá) no fim de tarde e depois aquelas noites quentes de Botafogo em meu apartamento de fúria, desejo, banalidade. O sólido desmanchou no Air o All I need nOutro século onde a decadência alcançou todos os heróis com a falta de pau, James Bond amarrota o terno, tem crise de consciência, talvez renegue o Aston Martin. O uróboro de misérias é uma tristeza só e abandonada na tarde que chove de si na praia em que nosso insuspeito diálogo não se ouve e o vento sul nos leva; sinto o gosto da chuva, procuro how to disappear completely em meu silêncio concentrado. Radiohead ou Vitor Ramil agora é a gota dágua. Nelson Cavaquinho ou Cartola nem talvez, nem na Lapa. O copo até aqui de mágoa é o mercado fonográfico, ou a cidade de futuro tecnocrata esperando a Petrobras enrabar a Praia do Canto. Ou a crise da canção como arte. É esquecer. Esquecer é a chance de quem tem memória, porque um homem não pode viver de problemas, meu rosto de sangue amanhará achando que estou pronto, venha Prestobarba. A Luna dorme lânguida com três travesseiros brancos e os cabelos soltos. Quando a tarde cair no rosa de delicado firmamento pintarei o fogo dos teus cabelos numa declinação de verbos descarados com os quais enrolo na mão esquerda a dor que não me escondes, e com cuidado escuto quando em si me desvelas e pedes outra nuance ao meu desejo. Silêncio de breu, viola cinturada que ponteia a noite com coragem, decisão. Chego sem sonho até mim, completamente desperto bebo água gelada péssima garganta. Insisto. Cantar é garantir a afinação e algum agudo no registro de tropeço terror das vozes nodais em prazeres secretos que ainda serão narrados à noite deliciosa, desértica, pleonástica. Minha dedicatória, minha palavra, minha assinatura. Minha, de alguma forma.

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