Acordo sem sonho, perambulo no destino exato até a mesa onde abrirei meu caderno como se lhe fosse tirar meias três quartos. Descalço, camisa pintada se a tinta acrílica lambeu de carmim o branco perto da virilha antes de deitar. Moletom preto com pose oriental das artes marciais que gastam os homens na imaginação. Minha trajetória pelo escuro escava o sonho, escultura estranha em que aos poucos me acordo e lanço em problemas satélites os quais não somam em cálidas mentiras a força real da priápica insônia em linha reta. Até a varanda, evoé. Tem nada na rua, absolutamente. A Mitsubishi do vizinho, os quarteirões para a praia de Camburi. A Catedral orgíaca. O baixo Leblon: Alta noite já se foi porque nunca ia. O tanto que volto à mesa de madeira me espera na cozinha, mesa bonita, rústica. Gostosa de passar a palma seca da mão. Vazo pelo círculo das quartas e quintas declinando escalas musicais encantatórias, atravesso para a sala e nunca mais. Abismos & melismas. De Bergman no Cinema Estação (parar por aqui, isso não irá) no fim de tarde e depois aquelas noites quentes de Botafogo em meu apartamento de fúria, desejo, banalidade. O sólido desmanchou no Air o All I need nOutro século onde a decadência alcançou todos os heróis com a falta de pau, James Bond amarrota o terno, tem crise de consciência, talvez renegue o Aston Martin. O uróboro de misérias é uma tristeza só e abandonada na tarde que chove de si na praia em que nosso insuspeito diálogo não se ouve e o vento sul nos leva; sinto o gosto da chuva, procuro how to disappear completely em meu silêncio concentrado. Radiohead ou Vitor Ramil agora é a gota dágua. Nelson Cavaquinho ou Cartola nem talvez, nem na Lapa. O copo até aqui de mágoa é o mercado fonográfico, ou a cidade de futuro tecnocrata esperando a Petrobras enrabar a Praia do Canto. Ou a crise da canção como arte. É esquecer. Esquecer é a chance de quem tem memória, porque um homem não pode viver de problemas, meu rosto de sangue amanhará achando que estou pronto, venha Prestobarba. A Luna dorme lânguida com três travesseiros brancos e os cabelos soltos. Quando a tarde cair no rosa de delicado firmamento pintarei o fogo dos teus cabelos numa declinação de verbos descarados com os quais enrolo na mão esquerda a dor que não me escondes, e com cuidado escuto quando em si me desvelas e pedes outra nuance ao meu desejo. Silêncio de breu, viola cinturada que ponteia a noite com coragem, decisão. Chego sem sonho até mim, completamente desperto bebo água gelada péssima garganta. Insisto. Cantar é garantir a afinação e algum agudo no registro de tropeço terror das vozes nodais em prazeres secretos que ainda serão narrados à noite deliciosa, desértica, pleonástica. Minha dedicatória, minha palavra, minha assinatura. Minha, de alguma forma.
13 dezembro 2011
Noite transfigurada
,..
,.
- jan. 2021 (1)
- set. 2020 (1)
- jul. 2020 (1)
- jun. 2020 (1)
- abr. 2019 (1)
- jan. 2019 (1)
- dez. 2018 (2)
- jun. 2017 (1)
- abr. 2017 (1)
- fev. 2017 (1)
- nov. 2016 (1)
- jul. 2016 (1)
- jun. 2016 (1)
- mai. 2016 (1)
- abr. 2016 (1)
- jan. 2016 (1)
- jun. 2015 (1)
- mai. 2015 (1)
- abr. 2015 (1)
- jan. 2015 (1)
- dez. 2014 (1)
- ago. 2014 (1)
- jul. 2014 (1)
- mai. 2014 (1)
- mar. 2014 (1)
- fev. 2014 (1)
- dez. 2013 (1)
- nov. 2013 (1)
- ago. 2013 (2)
- jul. 2013 (1)
- jun. 2013 (2)
- mai. 2013 (2)
- abr. 2013 (2)
- mar. 2013 (1)
- fev. 2013 (2)
- jan. 2013 (2)
- dez. 2012 (1)
- nov. 2012 (2)
- out. 2012 (1)
- set. 2012 (3)
- ago. 2012 (1)
- jul. 2012 (3)
- jun. 2012 (3)
- mai. 2012 (2)
- abr. 2012 (3)
- mar. 2012 (2)
- fev. 2012 (1)
- jan. 2012 (4)
- dez. 2011 (7)
- nov. 2011 (4)
- out. 2011 (6)
- set. 2011 (3)
- ago. 2011 (5)
- jul. 2011 (7)
- jun. 2011 (7)
- mai. 2011 (6)
- abr. 2011 (1)
- mar. 2011 (4)
- fev. 2011 (5)
- jan. 2011 (1)
- dez. 2010 (5)
- nov. 2010 (7)
- out. 2010 (5)
- set. 2010 (5)
- ago. 2010 (6)
- jul. 2010 (4)
- jun. 2010 (5)
- mai. 2010 (2)
- abr. 2010 (3)
- fev. 2010 (3)
- jan. 2010 (3)
- dez. 2009 (3)
- nov. 2009 (1)
- out. 2009 (3)
- set. 2009 (2)
- mar. 2009 (1)
- out. 2008 (1)
- set. 2008 (1)
- ago. 2008 (1)
- jun. 2008 (3)
- mai. 2008 (1)
- abr. 2008 (5)
- mar. 2008 (2)
- fev. 2008 (2)
- jan. 2008 (1)
- dez. 2007 (2)
- nov. 2007 (4)
- out. 2007 (5)
- set. 2007 (1)
- mai. 2007 (3)
- mar. 2007 (1)
- fev. 2007 (1)
- dez. 2006 (2)
- jul. 2006 (1)
- jun. 2006 (2)
- abr. 2006 (1)
- mar. 2006 (1)
- fev. 2006 (1)
- jan. 2006 (6)
- dez. 2005 (7)
- nov. 2005 (7)
- out. 2005 (3)
- set. 2005 (4)
- ago. 2005 (1)
- jul. 2005 (3)
- jun. 2005 (2)
- mai. 2005 (4)
- abr. 2005 (8)
- mar. 2005 (5)
- fev. 2005 (2)
- jan. 2005 (3)
- dez. 2004 (5)
- nov. 2004 (5)
- out. 2004 (3)