16 maio 2005

Pescadores

(...)

Em volta da mesa de cortar peixe a vila dos pescadores é real. Do bar em que estou, vejo as copas das castanheiras dançarem. O vento que nunca parou arrasta tudo para o poente. Os peixes cortados entram no mundo simples da vila. Na praça onde está a mesa, uma placa impede novos estacionamentos: um E com um X em vermelho e abaixo dele a palavra Fim.

Pode-se dizer que este é o fim do livro. Observo de uma mesa de plástico branco. Olho meu carro estacionado a dois metros de mim. Do outro lado da praça, o fim.

O pivete veio importado de outros livros. Como se fosse um Negrinho do Pastoreio. Já nem ouve o barulho do mar, perene demais para não ser anônimo.

A mesa em que estou não é essa. Aliás, agora que notei que nem é de plástico! Esta mesa é de outro restaurante, quase-mexicano. Sei que estou lá e é noite de sexta, distante desta quarta-feira. Estou sonhado que estou na vila de pescadores; aqui a tarde começa a cair, a qualquer momento devo acordar.

Quarta-feira. Estou só como se já fosse pai. Lembro da música de Cazuza em que ele conclama alguém para ir “lado a lado como dois gigantes enfrentando os ônibus”. Diz também, “e o menino triste quer ser um herói, mesmo um herói triste”. Lembro da Constante Ramos, e da irremediavelmente eterna Copacabana.

Lembro também que a noite onde estou neste restaurante quase-mexicano não é de quarta-feira. É tudo mentira. Talvez seja a noite desse dia que ainda não aconteceu. Se eu não acordar daqui a pouco, terei uma noite completamente desconhecida pela frente, igual a todas as demais que virão pelo resto da vida e que provavelmente me será cobrada em dobro pelo tempo.

Por enquanto, ao ver esses pescadores, estou perdido. Sou sua eternidade também espelhada em ritos que se desmontam ou estraçalham com esquecimentos dispersos e juntos a um bairro internacional: o azul do céu parece estar por sobre o descampado bruto que vai da Prado Junior à Rainha Elisabeth. Copacabana me engana que eu gosto. Nasci dentro dela num anonimato de palavras e músicas que vão apagando aos poucos na memória, deixando o peito nu.

Volto os olhos à vila, ao mar barrento e camaleônico da vila de pescadores que nunca acordasse, tão só, sem esperança, pedaço, magma, verdade. O vento frio e Sul que corta num rasgo o Nordeste que nunca parou de soprar ferrugem.

,.