17 julho 2012

pesos & levezas


na camisa do rapaz tinha escrito float like a butterfly,. enquanto a moça me cobrava o atraso do ferreira gullar e minha experiência neoconcreta estancava ali, no desolo da biblioteca setorial. assim que paguei virei as costas e saí até a moto estacionada logo depois do beiral, mas caiu uma chuva. fiquei no celular. capacete na mão, franja desgrenhada, discurso e gesticulo, argumento, evoco o aerópago mitológico dos deuses representantes da vivo. escolho opções, não há o que decifrar da esfinge sem segredo, ó oscar. carolina sotaquesinho do sul passa a me explicar a situação, depois de vencer o intro theme de boas vindas. quebro o protocolo perguntando se ela é do paraná, vc me lembrou o sotaque do pessoal da gvt. não, não. carolina é de sampa mesmo, estuda farmácia à noite (construo uma narrativa para a moça, que surpreendentemente me escuta), encara buzu, metrô, e um departamento de delírios. depois vai pra aula, onde às quintas, na eletiva pinçada de outro curso pra compor a grade do seu, é aluna de mussio calão, professor de psicofarmacologia. homem com extrema dificuldade com as palavras. adiposo, camisa dudalina de abotoar, intocável maço de marlboro acima da mesa, faz um mix de nomes de remédios e loucuras que carolina não precisa saber para seu futuro ofício, menos ainda para o atual: dizer porque estou sem celular, ainda. em tal momento, num drama que é pura invenção, pretesto para lhe prender aqui, leitor,.. sim, você, um dos leitores presentes no local para o qual lhes transporto,.. o rapaz da camiseta branca com letras pretas onde está escrito float like a butteretc sai da biblioteca, passa por mim (por nós) e vai andando sob a chuva, no entre-prédios artes-comunicação. a tranquilidade do flaneur. já há coisa de uns dez metros adiante seu celular toca, escuto o alô com ecos modernos de um baudelaire enquanto a explicação de carolina é certeira em 48 horas futuras. respiro fundo, fundo. penso. olhando a chuva apenas desconfio o gosto de algumas palavras. carolina pensa no trabalho sobre psicofármacos. mussio calão pensa em carolina, sem saber como dizer-lhe sobre a psicofarmacologia, e sem texto para isso. mussio calão é um homem barrigudo. algo se perdeu em sua história, ele não sabe mais a diferença entre mercedez e bmw, esqueceu o que não é tão óbvio. para vocês, não virá aqui ao acaso esclarecimento razoável com o qual se embrenhem na diferença abissal entre carros aparentemente irmanados. não vou lhes enfadar, por menos assíduos que vcs sejam, com a magnífica coleção da revista 4 rodas à qual eu tive exposto acesso, desde a primeira edição, aquela da rural. o imenso mundo dos carros, dos motores, das máquinas e sons, das distâncias transformadas, dos desejos protegidos da chuva por vidros de película negra, negra. negra. negra, como grandes asas que no bólido estacionado na orla cobriram os corpos sob o barulho silencioso da chuva vespertina e pedaços de palavras, seu significado narrativo que em nada interessará à baila da pequena história, também sem destino, e que eu não lhes contarei não sei por qual razão e egocentrismo. desconfio que haja outro narrador, que também a mim escreva nessa causa perdida. e talvez me escreva por música. ou pior, como já disseram. pausa, agora andante; balé. em minha tímida telefonia pergunto coisas, carolina responde na lata. a coisa é elaborada. por sua vez, mussio dirige e pensa numa forma de voltar a fazer exercícios, tem século passeia por essa contraforça esbagaçada de happye hour em casual day e avante marche sem vírgula. com a juris-dicção de amigos, não há o que negociar contando sobre carolina, de quem ele nada sabe, vejam sua situação. ser homem é isso. mesmo assim os homens tentam se ajudar, porque sabem que depois de algumas palavras erradas se matam com fúria, sem um puxão de cabelo. e os advogados ajudam mussio no bar da saideira na praia do canto. é pau é pedra. ao largo disso agradeço,. carolina agradece novamente, educadíssima, e franca. despeço-me gentil, mas firme. a moça sorri com a fineza, por momentos esquece do professor, do cansaço. do trabalho sobre psicofármacos. contemplo a chuva radiohead que desce aos dias stress-tabs, penso em me automedicar com um halls tarja preta, mas é insuportável. a chuva assim é um carinho no abraço que a cidade faz no vento. meu desvio por essa errância no ar agora é o play no iphone e ouve sade se elevo o leve desejo cherish the day. enquanto isso, dentro do ar condicionado, que está dentro do carro no engarrafamento, que está dentro da avenida que margeia o leste e o fora, mussio tem uma ideia diferente;,.. uma ventura ilumina seu semblante sem sonho. essa iluminação qual seria? não a conheço, assim a sonharei.

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