Com óculos meio grau o mundo tem um efeito webstagram. Descanso os olhos no copo dágua acima da mesa, objeto com silêncio no corpo que absorve o ruído branco do ar condicionado. Eqüidistantes de mim, voz e olhar me escutam no que me constrange os lábios secos na página de arte e em meu afastamento jogo o livro de Didi-Huberman sobre a rede, me levanto. Papel reciclado de caderno de museu, rude entresafra de delicadezas banais, me esqueço a nuca da tarde enquanto desenho e rasgo um borrão de aquarela com a bic ponta fina preta que lhe crava a ganância de poemas que não vou escrever. Os cabelos do poente emaranharão daqui há poucas horas cegas, adivinhando o desejo de sangue, carne e palmadas nuas em teu quarto de estudo quando a dor burocrática lhe rouba e rapta em tuas esperezas eruditas; a dor trêmula do vento em tua letragem certeira e despretenciosa é fragmentária e velada, descalça de um prazer que lhe desmaia num sorriso arrebatado depois. Sorria mesmo, Lua. O gosto de tua entrelinha é um lábio rosa que me livra. Lendo assim sem um som eu sei que o céu de breu trará a noite embrenhada e o pássaro de asas negras por sobre ela abrirá as asas.... quando abre as asas por sobre a cidade sem sol nem desejo voa mija sobre ela e sobre a política de engenheiros fodões, administradores camisa pólo jacaré; caros técnicos de autofornos que disseminarão minério para o céu romper em vermelho quase Antonioni o sucesso que a bondade desses homens elevará no sonho da classe artística banal à coisa tecnocrata de futuros transeuntes besuntados de Sundown quando Camburi for limpa. Vwnham, jonwns à vista! Evoé. É quando desimagino a lógica que por vezes me atordoa no sentido de palavras caladas, tornadas reais. Essa fala que a voz desobedeceu em outra na tarde de beleza encarnada até brotar suor em meu rosto prestobarba rala enquanto atravessara o vale de árvores centenárias. Vegetação que terá copas decepadas como cabeças pensamentos castrados pelas garras dos tratores em cega obediência aos inquilinos industriais. Quando cheguei ao riacho desci a mão de dedos magros e os olhos na água corrente. Levantando o rosto contemplei na outra margem outríssimo bairro onde famílias nascidas da periferia conquistam condomíneos de casas em tom pastel estendendo todo um cabeamento por onde o sistema de informação de futuros já estirpou sabedorias de gerações pretéritas. Meus dedos entraram na água do riacho como se experimentassem interior de um mundo que contrai o presente em si mesmo e se dá no que eu procurava. Meus pés, que tinham atravessado o grande terreno ermo para chegar ao vale das árvores que dançam sem silêncio, agora também se molhavam. Surpreso, encontrei um passo atrás em falso, e equilibrei como se montado numa moto. Assim num susto tirei os dedos de dentro dágua, fiquei olhando um pouco bem de perto. Minha mão descobrira no riacho a correteza de palavras que devagar eu conhecia. Levei a mão ao rosto, à boca, senti o gosto dessas palavras ali perdidas e achadas em meus lábios; aprendi que a substância estranha delas é uma fonte falada que eu sorvo e que me [sor(ve]m) ao corpo do texto. (pausa, respiração) Em pé e em silêncio reconheci letras e palavras passando. Entrelaçada morfologia que exerce em si uma atração gramatical particular, especial, e sem narrativa apreensível escreve uma saga e se amalgama único texto.
08 fevereiro 2012
Correnteza
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